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11/12/2023 04h30 Atualizado 11/12/2023
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No Brasil para lan�ar dois livros (�Al�m da pele� e �Quem deve a quem�; ambos pela editora Elefante), a italiana Silvia Federici, de 81 anos, uma das intelectuais feministas de maior proje��o em atividade,�aproveitou para adiantar as comemora��es dos 20 anos da primeira edi��o de �Calib� e a bruxa� (2004). Numa de suas obras mais importantes, ela� que mora nos Estados Unidos desde 1967 e, desde ent�o, batalha para que haja pagamento pelo trabalho n�o remunerado de mulheres em seu pr�prio lar � mostra como, na transi��o do feudalismo para o capitalismo, foi crucial para o sucesso do novo sistema confiar �s mulheres o papel �nico e exclusivo de reprodutoras da for�a de trabalho. Aquelas que conseguiam controlar a pr�pria natalidade e tinham posi��es de poder foram tachadas de bruxas e dizimadas. Assim, ela relata, estabeleceram-se as bases da divis�o sexual do trabalho � com as mulheres cuidadoras maternais � que permeia o modo de vida predominante nas sociedades ocidentais.
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Na entrevista a seguir, realizada em Paraty durantevirtual casino jogopassagem pela Flipei e antes de embarcar para S�o Paulo, a autora, que interrompe a conversa para ajudar o marido (ele se movimenta com dificuldade), fala sobre a sobrecarga da economia do cuidado, analisa uma volta da �ca�a �s bruxas� e conta como seriavirtual casino jogoreda��o no Enem 2023 sobre o tema �Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher�.
O mundo est� melhor ou pior para as mulheres, de uma forma geral, desde que a senhora escreveu �Calib� e a bruxa�?
Estamos vendo a situa��o piorar. Pessoas est�o sendo expulsas de suas terras, h� uma deteriora��o das condi��es de produ��o, cortes nos or�amentos, uma crescente militariza��o da vida. E �s mulheres cabe suportar o fardo do trabalho reprodutivo mais e mais com menos recursos. Agora ainda h� uma nova ca�a �s bruxas em todo o mundo, especialmente na �frica, �ndia, Am�rica Latina e no Brasil. Por exemplo, no dia 18 de setembro, Sebastiana, l�der dos guarani-kaiow� no Mato Grosso do Sul, foi queimada viva�(Nhandesy Sebastiana era l�der religiosa dos guarani-kaiow�, em Aral Moreira, e teve o corpo carbonizado juntamente com o do marido, Nhanderu Rufino). Ela comandava uma luta contra a expropria��o de terras comunais para o cultivo de soja. Esse foi mais um caso de mulher acusada de ser bruxa pelo fundamentalismo crist�o. No Sul Global, fica muito claro que as motiva��es econ�mica e pol�tica e a briga pela terra d�o um empurr�o contra a luta das mulheres por autonomia.
Como a intelig�ncia artificial e as redes sociais t�m transformado a explora��o dos corpos e da for�a de trabalho feminina?
Est�o tentando nos convencer de que n�o precisam mais do trabalho humano com a IA. Isso � uma arapuca. As pessoas trabalham mais do que nunca hoje. Esse � um primeiro aspecto. O segundo � a completa tecnologiza��o da vida. Existe essa ideia de que podemos ter m�quinas fazendo trabalhos de cuidado. � o contra-ataque � luta que as mulheres travaram. Esta tem sido a hist�ria do capitalismo. Quando os trabalhadores combatem uma forma espec�fica de explora��o, o capitalismo se precipita em pensar numa m�quina. H� uma explos�o de estudos sobre simp�ticos rob�s que andam, falam e podem cuidar de idosos e crian�as. Isso � o contr�rio do pregamos: precisamos falar sobre formas coletivas de cuidado. Precisamos superar o isolamento em que mulheres foram obrigadas a cuidar da reprodu��o, dos idosos, das crian�as, dos enfermos. Mas eles v�o nos dar rob�s legais�
Com voz feminina...
E com voz feminina! Precisamos de uma cr�tica feminista da intelig�ncia artificial. Uma cr�tica que tenha lados m�ltiplos, que olhe para a destrui��o ecol�gica, para a ilus�o de liberdade e em termos de aliena��o das rela��es humanas.
No Brasil, temos o Enem, uma prova nacional para alunos do Ensino M�dio entrarem na universidade, e todo ano h� uma reda��o, com um tema...
Ah, sim, este ano foi sobre trabalho dom�stico! Eu soube. Muito interessante. Fiquei bem feliz.
Se conversasse com estudantes agora, o que diria ser mais importante de estar nesta reda��o?
Meu argumento principal seria de que, quando olhamos para a organiza��o do trabalho dom�stico no capitalismo, temos uma janela para entender a l�gica que faz esse sistema prosperar. O trabalho dom�stico � considerado uma atividade biol�gica, mas � fundamental porque produz m�o de obra. � o que faz a roda girar. N�o produzimos carros ou ferramentas, produzimos seres humanos. O movimento feminista redefiniu�(o olhar)�para este trabalho. A quest�o �: por que � t�o desvalorizado? Ele � t�o importante, t�o crucial que, se tivessem que compensar as mulheres, n�o teriam conseguido acumular a grande riqueza que acumularam. Isso � o in�cio do entendimento de que vivemos numa sociedade baseada na explora��o e na desvaloriza��o da nossa vida. E isso devia ter feito parte da reda��o: tem havido uma revolu��o do conceito de trabalho dom�stico. Mais e mais pessoas t�m tido consci�ncia de que n�o � s� limpeza e cozinha. � um trabalho emocional, sexual, intelectual, de concilia��o de todas as diferentes necessidades das pessoas: do homem, da crian�as, dos outros parentes. S�o as mulheres que mant�m a comunidade unida.
A senhora falou de terra, Sul Global... Soa como um �neo neocolonialismo�.
H� um movimento progressivo em dire��o a uma recoloniza��o. Vemos um novo colonialismo muito violento. Algu�m escreveu, e penso que muito bem, que a Palestina hoje � o mundo. No sentido de que, numa vis�o macro, o capitalismo est� se expandindo e expulsando as pessoas de suas terras e empurrando-as para campos de refugiados ou para a imigra��o. Por causa desta tomada de posse de terras � particularmente por empresas extrativistas e pelo agroneg�cio � e tamb�m por uma constante eros�o do investimento nas pessoas, s�o as mulheres que pagam o pre�o mais elevado. Elas precisam compensar com trabalho e sacrif�cios extras pelos recursos que est�o diminuindo.
Na Festa Liter�ria Internacional de Paraty (Flip), evento de que a senhora veio participar, mesas de sucesso falaram sobre o tema do encarceramento em massa de pessoas negras, principalmente mulheres. Num pa�s como o Brasil, como isso contribui para a manuten��o do capitalismo?
Este � um sistema de terror de Estado. E ele � utilizado para que a sociedade mantenha uma for�a intensiva de explora��o, com desigualdade produzindo cada vez mais desigualdade. O capitalismo acumula dinheiro, injusti�as e hierarquias. Est� muito claro que a escravid�o n�o acabou. Temos novas formatos, que v�o desde modelos financeiros e ao encarceramento em massa. Vejo o Brasil como um dos pa�ses do mundo com o maior n�vel de hierarquias racializadas. Ent�o, faz sentido que os negros sejam intimidados, afinal essas hierarquias s�o fundamentais para a continua��o do sistema, dando aos brancos o poder de oprimir os negros, aos homens o poder de oprimir mulheres. Este � realmente o problema de tantos grupos e organiza��es pol�ticas. Como podemos desfazer isso? Como criamos demandas organizacionais, movimentos e lutas que sejam capazes de subverter essas divis�es hier�rquicas?
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